Em nome do futuro, Rio está destruindo o passado
Por THERESA
WILLIAMSON e MAURÍCIO HORA
Publicado:
August 12, 2012
Rio
de Janeiro
OS
Jogos Olímpicos de Londres terminaram no domingo, mas no Rio de
Janeiro a batalha pelos próximos Jogos acaba de começar; as
manifestações contra despejos ilegais de alguns dos moradores mais
pobres da cidade estão se espalhando. De fato, as Olimpíadas do Rio
parecem dispostas a aumentar a desigualdade em uma cidade já
conhecida por essa característica.
A
favela Providência começou a se formar em 1897, quando veteranos da
sangrenta Guerra de Canudos, no nordeste do Brasil, receberam a
promessa de concessão de terras no Rio de Janeiro, que na época era
capital federal. Ao chegarem, descobriram que não havia terras
disponíveis. Depois de acamparem em frente ao Ministério da Guerra,
os soldados foram removidos para um morro das proximidades, que
pertencia a um coronel, mas não receberam os títulos de propriedade
da terra. Originalmente batizada de “Morro da Favela”, nome da
planta espinhosa típica das colinas de Canudos, onde haviam passado
inúmeras noites, a Providência cresceu ao longo do começo do
século 20, à medida que escravos libertos se juntavam aos antigos
combatentes. Grupos de novos migrantes europeus também se
estabeleceram por lá; esse era o único modo acessível de viver
perto dos empregos no centro da cidade e no porto.
Com
vista para o local por onde centenas de milhares de escravos
africanos entraram no Brasil pela primeira vez, a
Providência é parte de um dos sítios culturais mais importantes da
história afro-brasileira, berço da criação primeiros sambas
comerciais, onde floresceram tradições afro-brasileiras como a
capoeira e o candomblé e onde se fundou o Quilombo Pedra do Sal.
Hoje, 60% dos moradores da área continuam sendo afro-brasileiros.
Mais
de um século após o surgimento, a favela da Providência
ainda carrega a marca cultural e física dos seus primeiros
habitantes. Mas agora está ameaçada de destruição em nome das
melhorias olímpicas: a ideia é demolir quase um terço da
comunidade, uma decisão que inevitavelmente desestabilizará o que
restar da favela.
Até
meados de 2013, a Providência terá recebido 131
milhões de reais (US $65 milhões) em investimentos do
plano de revitalização da zona portuária carioca, capitaneado pelo
setor privado, iniciativa que engloba um teleférico, um bonde
funicular e ruas mais amplas. As intervenções municipais
anteriores, realizadas com o intuito de melhorar a comunidade,
sempre reconheceram
sua importância histórica, mas os projetos atuais não têm
essa preocupação.
Embora
a prefeitura alegue que esses investimentos beneficiarão aos
moradores da região, um terço da comunidade já foi marcada para
remoção e as únicas “reuniões públicas” organizadas visavam
apenas informar aos moradores qual seria seu destino. Durante o dia,
as iniciais da Secretaria Municipal de Habitação e um número são
pintados nas paredes das casas com tinta-spray. Moradores voltam para
casa e descobrem que suas casas serão demolidas, mas não recebem
nenhuma orientação sobre o que vai acontecer com eles e nem quando
será.
Um
passeio rápido pela comunidade revela a assustadora situação de
insegurança em que os habitantes estão vivendo: no topo da colina,
aproximadamente 70% das casas estão marcadas para despejo: uma área
que a princípio deverá ser favorecida pelos investimentos que estão
sendo realizados em transporte. Mas o teleférico
de luxo vai transportar entre mil e três mil pessoas por
hora durante os Jogos Olímpicos. Portanto, não serão os moradores
os beneficiados, e sim os investidores.
Os
habitantes da Providência estão temerosos. Apenas 36% deles possuem
documentos comprovando seus direitos de propriedade, em comparação
com 70 a 95% na mesma situação em outras favelas. Mais do que em
outras comunidades pobres, esses moradores estão muito desinformados
sobre os seus direitos e apavorados diante da possibilidade de
perderem suas casas. Some-se a isso a abordagem da prefeitura de
“dividir para conquistar”, — os residentes são confrontados
individualmente para assinar o reassentamento e não se permitem
negociações comunitárias — e a resistência é silenciada de
modo efetivo.
A
pressão exercida pelos grupos de direitos humanos e pela mídia
internacional tem ajudado. Mas os despejos
brutais continuam e surgem formas de remoção novas, mais
sutis. Como parte do plano da prefeitura para a revitalização do
porto, as autoridades declaram que os “reassentamentos” são do
interesse dos próprios moradores, porque vivem em “áreas de
risco” onde pode haver deslizamentos de terra, e porque
supostamente é necessário que haja uma “desdensificação” para
melhorar a qualidade de vida.
Porém,
existem poucas evidências de risco de deslizamentos ou de
superlotação perigosa; 98% das casas da Providência são feitas de
concreto e tijolos robustos, e 90% delas têm mais de três cômodos.
Além disso, umrelatório
importante produzido por engenheiros locais demonstrou que
os fatores de risco anunciados pela prefeitura haviam sido
inadequadamente estudados e são imprecisos.
Se
o Rio conseguir desfigurar e desmantelar sua favela mais histórica,
abrirá o caminho para novas destruições em centenas de outras
favelas da cidade. O impacto econômico, social e psicológico dos
despejos é calamitoso: famílias removidas para unidades isoladas
perdem o acesso aos significativos benefícios econômicos e sociais
da cooperação comunitária, e também perdem a proximidade do
trabalho e das redes de contato, sem mencionar os investimentos
feitos por várias gerações familiares em suas casas.
O
Rio de Janeiro está se tornando um playground para ricos. E a
desigualdade gera instabilidade. Seria muito mais eficaz
economicamente investir em melhorias urbanas, definidas com a ajuda
das comunidades dentro um processo democrático participativo. Em
última instância, essa estratégia poderia fortalecer a economia e
desenvolver a infraestrutura da cidade; e ao mesmo tempo, reduzir
desigualdades e fortalecer a população afro-brasileira, que ainda
hoje é marginalizada.
Theresa
Williamson, fundou a Comunidades
Catalisadoras, um grupo que trabalha em defesa das favelas e
publica RioOnWatch.
Maurício Hora, fotógrafo, dirige o programa Favelarte na
favela Providência. Esta reportagem foi traduzida do inglês por
Mónica Baña-Alvarez.