terça-feira, 22 de novembro de 2016

Eu sou uma pessoa iludida e feliz


Eu sou uma pessoa iludida e feliz



Márcia Neves

Niterói, 21/11/2016.



“Os homens acreditavam que o estabelecimento do sufrágio universal garantia a liberdade dos povos. Mas infelizmente esta era uma grande ilusão e a compreensão da ilusão, em muitos lugares, levou à queda e à desmoralização do partido radical. Os radicais não queriam enganar o povo, pelo menos assim asseguram as obras liberais, mas neste caso eles próprios foram enganados.”. MICHAEL ALEXANDROVICH BAKUNIN





Eu me iludo todos os dias. Escamoteio deliberadamente os meus sentido todos os dias e amo fazer isso. Eu olho para o céu e penso no seu tom agradável de azul do amanhecer, ou alaranjado do entardecer, e ignoro que é um fenômeno físico que ocorre na atmosfera, denominado de espalhamento de Rayleigh. Eu olho para o mar e admiro as suas nuances entre o verde, o azul e o chumbo ignorando que de fato a água é transparente e o que vejo é o reflexo das partículas de areia e de microrganismos atingidos pela luz solar e acho o máximo.



Sonhar é o que me faz continuar, e se isso me faz ser uma iludida, eu sou uma iludida. Então, me chamem de iludida. Eu realmente gosto de ser uma iludida. Eu quero sonhar. Quero embaralhar (ainda mais) a minha mente e desejar muito um país incrível.



Eu amo sonhar acordada e me iludir que coisas boas podem acontecer.  Porque talvez elas aconteçam e aí já estarei acordada e poderei vê-las. Como iludida que eu sou, eu acredito que as coisas boas vão acontecer realmente, pois sou uma iludida! Uma lógica inquestionável dos iludidos.



E como iludida que sou, acredito que dias melhores virão. Provavelmente ainda teremos alguns dias ainda piores, ou melhor, meses, talvez anos, quem sabe eu talvez nem esteja viva para ver, pois faz parte do processo, mas os dias melhores virão. O Rio de Janeiro vai se estabilizar. O Brasil se desenvolverá de forma sustentável. Cotas para mulheres, negros, índios e deficientes serão algo do passado e não haverá mais ódio com relação ao “diferente”, pois seremos uma sociedade consciente e igualitária de fato.  



Então, é assim que ficamos. Sim, eu sou uma iludida, logo eu sonho e almejo o impossível que é possível. E como toda iludida eu também sou redundante, pois o iludido reforça a sua ilusão, do contrário seria só um pensamento vago. Por conseguinte, sou persistente como um sabujo, que mesmo com o nariz ensanguentado não perde a sua pista, assim sou eu com os meus sonhos. Mas antes uma redundante e alegre sonhadora, que acredita que algo bom pode acontecer, do que uma infeliz, rabugenta, sem esperanças, que vive pelos cantos lamuriando-se da vida. Uma salva para nós, os iludidos esperançosos!



Márcia Moreira Neves

Jornalista e escritora -  https://sites.google.com/site/marcianeves/

terça-feira, 8 de novembro de 2016

Fomos criados para ser intolerantes


Fomos criados para ser intolerantes



Márcia Neves

Niterói, 08/11/2016.



O tema desse ano do Enem me fez remoer o meu tempo de escola. Se você perguntar para alguém da minha geração vão dizer, na grande maioria, que não havia intolerância religiosa. Todos comemoravam o Dia de Cosme e Damião na cidade do Rio de Janeiro em harmonia. Na virada do ano todos tomavam passe na Praia de Copacabana em paz. As pessoas podiam usar seus colares de contas sem medo pelas ruas e os terreiros não eram atacados. Católicos, espiritas, evangélicos, candomblecistas, umbandistas, budistas, judeus e outros viviam como uma bela família na cidade de São Sebastião. Não é? Mentira.



No meu tempo de escola a coisa não era aberta como agora. Não se ofendia a religião do colega abertamente. Os pastores não iam para a televisão quebrar imagens ou demonizar outras religiões. Não se formavam hordas para atacar fisicamente membros de outras religiões, até mesmo crianças, mas ainda assim havia a crueldade. A crueldade estava presente. Ela era sutil, muitas vezes nem tanto, mas estava presente todos os dias nos moldando. Nos tornando cidadãos “de bem”, devidamente institucionalizados e divididos em castas através da exclusão religiosa.



Eu estudei em um colégio tradicional católico, que era gerido por freiras rígidas quanto ao nosso comportamento. Quando vagávamos pelo corredor no horário da aula e a expectora nos pegava: -“O que estão fazendo, andando como um judeu errante? Quem é a sua professora?”. Se uma coleguinha de classe pisava em seu pé fosse por brincadeira, ou sem querer, nós dizíamos: - “O de baixo é meu, o de cima é do judeu”, ou a outra pessoa não sairia de cima do seu pé. São tantos os exemplos que não caberia nessa postagem, mas o melhor: éramos piedosamente orientadas a não “judiar” dos mais fracos. Câmara Cascudo, no Dicionário do Folclore Brasileiro, se refere a judiar: “Como reminiscência religiosa permanece no espírito popular a figura do judeu como símbolo da malvadez absoluta, alegrando-se com o sofrimento alheio, egoísta, insensível, imperturbável de orgulho (…)”.



Pouco a pouco nossas mentes infantis eram moldadas através das expressões linguísticas. O poder do plano simbólico é imensurável. E quando se trata de religião a questão se torna ainda mais complexa, tamanha é a riqueza da fonte. A incrível crueldade está na sutileza. É como curvar a madeira, existem as técnicas mais simples, como mergulhar na água, e as mais complexas, como a torção de várias chapas. Mas o que importa mesmo é o resultado e o destino do uso. Porém, ah, o porém, o terrível porém...



Qual religião é a verdadeira? Existe uma religião verdadeira? Pois é, e para quem ainda está rodando no entorno do seu próprio umbigo, a pesquisa Major Religions of the World Ranked by Number of Adherents (Se você não a conhece, clique aqui) identificou que 2,5% da população mundial é constituída por ateus e por 12,7% de não-religiosos. A parcela dos “Nonreligius”, que abrange várias correntes (agnósticos, ateus, sem religião...), corresponde a 16% do planeta, com 1,1 bi e tende a crescer. Essa parcela só perde para o cristianismo, 2,1 bi,  islamismo, 1,5 bi. Com isso podemos concluir que: semear intolerância não rende bons resultados.



Márcia Moreira Neves

Jornalista e escritora - https://sites.google.com/site/marcianeves/

quinta-feira, 3 de novembro de 2016

O meu corpo ainda não me pertence, talvez um dia.


O meu corpo ainda não me pertence, talvez um dia.



Márcia Neves

Niterói, 03/11/2016.



Meu corpo, minhas regras, uma falácia. Talvez na Islândia, ou na Noruega, ou quem sabe a Finlândia... Bom, Suécia e Irlanda também estão na lista. já que são considerados os países mais igualitários para mulheres e homens, mas aqui... Não, não mesmo. Esse artigo poderia ser sobre aborto, mas como não vivemos em um país laico de fato, cabe um post somente sobre esse tema: “O bem-estar da mulher brasileira, ou devo dizer, mal-estar”. Eu vou falar sobre a falsa sensação que temos de sermos donas das nossas ações. Não vou pegar pesado, vou dar pequenos exemplos, bem corriqueiros e de fácil degustação da minha própria vida, se é que podemos dizer que qualquer exemplo dessa natureza é leve ou de fácil degustação, mas comparados com outros...



Quando adolescente eu era a vadia do prédio em que morávamos. Só porque eu tinha amigos meninos. É isso mesmo, acreditem! Nós nos reuníamos na nossa casa depois da escola para estudar. Eu saia com eles para as festinhas no bairro e íamos ao cinema. Coisas inocentes, nada escandaloso, mas incomodava alguns vizinhos.



Aí eu cresci. Fui para a faculdade, comecei a trabalhar e sair à noite com as minhas amigas. Pronto, ganhei fama de sapatão no mesmo prédio. Se eu fosse, tudo bem! Mas eu não era. Chega a ser ridículo isso, mas é verdade...  Sabem por quê? Porque eu não queria saber de namorar ou noivar. Eu queria curtir a vida do meu jeito. Sair, viajar, estudar, trabalhar. Mas e se eu fosse homem, teriam me julgado? Bobinha eu, claro que não!



Roupa, nunca segui “tendências” da moda. Mas o pior sapo que engoli foi em uma determinada instituição financeira. Todos os colegas homens usando calça jeans e tênis. Penso: “Eu também posso”. Como fui inocente. Depois de uma semana usando jeans e tênis, mesmo sendo recorde em produtividade, sou chamada na sala do gerente geral. Motivo: vestimenta inadequada para atender o público. OI? E todos os colegas HOMENS? Era diferente, eles eram homens, eles podiam. Só me lembro de sair da sala da gerencia engolindo o choro de raiva.



Tenho a lembrança de um colega, na mesma instituição, mas em outra agência, que fedia absurdamente. Ninguém tinha a coragem de mandá-lo tomar banho. No dia em que cansei do cabelo longo e o cortei bem mais curto, uau! TODOS vieram me perguntar por que eu tinha feito aquela “monstruosidade”. Por que podiam acabar com a minha autoestima, mas com a do outro colega não? No caso dele era uma questão sanitária, no meu era uma escolha pessoal estética. Pessoal... Hum, até parece. Ingênua mais uma vez.



Aos 33 anos encontrei um companheiro, ou melhor, nos encontramos. De repente o mundo começou a cobrar filhos. No trabalho, fora do trabalho, na família: quando vocês vão ter filhos? Já planejaram os filhos? Essa era uma das melhores: vocês não podem ter filhos? E aí os filhos são para quando? Não tivemos filhos por escolha.  Mais de uma década depois, não nos perguntam mais. E aí uma surpresa, com o tempo os amigos com filhos se afastaram e os amigos sem filhos se aproximaram. Até então eu não sabia que havia uma separação. É, é assim que funcionam as coisas: divisões invisíveis que você nem sabia que existiam, mas que estão lá. E novas divisões significa novas barreiras a serem quebradas.



Desmontar normas estabelecidas, padrões considerados como os corretos, implica em sofrer penalidades. Um alto preço é cobrado. A liberdade de ser dona do seu próprio corpo não é de graça. Nós temos que estar preparadas. Mas ainda não é para a minha geração, pois são custos tão elevados, que temos que pagar de forma parcelada.



Márcia Moreira Neves – Jornalista e escritora - https://sites.google.com/site/marcianeves/

quarta-feira, 2 de novembro de 2016

Lei Maria da Penha, Zé Maria, chame como quiser, mas saiba antes o que é!


Lei Maria da Penha, Zé Maria, chame como quiser, mas saiba antes o que é!



Márcia Neves

Niterói, 01/11/2016



Quem ainda não ouvi essa: “E a Lei Zé Maria para os homens?”, hum? Nooossa, é chato, né? Eu fico com vergonha alheia. Eu finjo que não escutei. Quase sempre é um carinha achando que está sendo engraçado. Mas outro dia fiquei chocada, era um professor! É muito triste escutar um colega falando isso. Um professor, NÃO! E vamos combinar, ser homem também não é justificativa... E essa “coisa encruada” que a Lei Maria da Penha substitui todas as leis (Se você não conhece a Lei 11.340/06 clique aqui). Aconteceu um desentendimento no trabalho com o chefe, a colega já grita do fundo da sala: - “ Põe a Maria da Penha nele!”. O motorista do ônibus pisou fundo e a senhora caiu, pronto: -“Maria da Penha, Maria da Penha!”. Também não é assim, gente!



Para cada situação existe uma lei especifica. O que não falta são leis no Brasil. Entretanto, não existia, até então, uma que protegesse a mulher e a família. Considerando o grande número de mulheres abusadas historicamente no ventre familiar. Visto que ela irá proteger todas as relações, incluindo mãe e filha, avós, sogra e casais do mesmo sexo. Sendo assim, podemos até mesmo dizer que é uma lei que prioriza a família, não estando de todo errado. Aí, você malandramente pode concluir: -“ Então se a esposa for a agressora o marido pode se valer da lei, certo?”.  Não é comum, já que o foco são as mulheres, principais vítimas, mas pode ser, apesar de não estar previsto na lei existem casos registrados.



O objetivo da lei são os crimes praticados com violência doméstica e familiar. Como foi o caso da própria Maria da Penha, que deu o nome a Lei. A farmacêutica bioquímica foi vítima de violência doméstica durante 23 anos. O marido tentou assassiná-la por duas vezes.  Primeiro com um tiro, deixando-a paraplégica. Depois por eletrocussão e afogamento. Sendo assim, o juiz pode fazer a sua interpretação nesse sentido. Por exemplo, o juiz Mário Roberto Kono de Oliveira, do Juizado Especial Criminal Unificado de Cuiabá, acatou os pedidos do autor de uma ação em que alegava sofrer agressões físicas, psicológicas e financeiras de sua ex-mulher. Agora a ex-mulher do autor está impedida de se aproximar dele a uma distância inferior a 500 metros, incluindo sua moradia e local de trabalho. Não pode manter contato por telefone, e-mail ou qualquer outro meio direto ou indireto. No caso do descumprimento a ex-mulher pode ser enquadrada no crime de desobediência podendo ser presa. Mas o mais comum é a utilização da Lei nº. 9.099/95 (Se você não conhece a Lei clique aqui), nessas situações.



Fique esperta/o. Ser “divertido” ou “especialista” não é sair repetindo o que outros falam sem saber ao certo. Você pode fazer feio sem saber.



Márcia Moreira Neves – Jornalista e escritora - https://sites.google.com/site/marcianeves/


segunda-feira, 31 de outubro de 2016

Legalizar não é o mesmo que liberar geral, certo?


Legalizar não é o mesmo que liberar geral, certo?



Márcia Neves

Niterói - 31/10/2016



Passada a ressaca do segundo turno para prefeito da cidade do Rio de Janeiro, estou aqui recordando um encontro que tivemos, após o primeiro turno, com alguns amigos. Em algum momento conversamos sobre a legalização das drogas, se é que podemos dizer que houve uma troca ideias. Por que ainda é tão difícil falar sobre o tema?



Zona Norte do Rio, somos os últimos a chegar. Três estão tomando chope, o quarto foi fumar o seu cigarro fora do estabelecimento, quando retorna pede outro chope, somos o único casal na mesa a pedir mate. Nada surpreendente. A conversa segue morna quase choca, até que alguém levanta o tema sobre as eleições.



 Dois dizem que anularam e se justificam. Os outros dois seguem defendendo os seus candidatos. Exaltam as suas virtudes e escracham os desafetos, mas tudo na tranquilidade. Até que alguém toca no tema legalização das drogas: “Mas tem aquele candidato que é a favor de liberar geral as drogas, eu sou contra.”, fala o amigo fumante segurando o quarto chopinho gelado.  A aniversariante balança a cabeça vigorosamente concordando com o fumante, depois do terceiro chope, que, até então, era o seu rival no campo das ideias políticas.  Na onda, o primeiro a manifestar o seu voto nulo diz: “Já reparou que todos os que são a favor da legalização das drogas são drogados, maconheiros?”, já calibrado pelo quinto chope, que segundo ele é a derradeira da saideira. Salvo eu e o meu marido, todos concordam com o calibrado. Não preciso dizer que o tal candidato “maconheiro” a que se referiam, por coincidência, era o meu candidato.



Olho para o meu marido de soslaio e depois pergunto aos amigos da tulipa de forma cínica: “ Vocês estão nos chamando de drogados? De maconheiros?”. “Não, não, eu não disse isso. Vocês são exceções!”, quase aos gritos, fala o amigo mais que calibrado. “ É que vocês nunca tiveram alguém viciado na família”, mia a aniversariante... “É que é um problema de segurança...”, diz reticente o “segundo amigo nulo”, na garantia de quem só tomou dois chopes. “Eu não quero que o Rio seja uma Nova Amsterdam. Se os caras não dão conta lá, menos ainda aqui.” é categórico o fumante, ignorando a minha pergunta.



Sem entrar em detalhes, o meu marido olha para a aniversariante e troveja: “Eu tenho alguém na família”. Silêncio constrangedor e alguém puxa outra conversa morna, logo depois nos despedimos com abraços e vamos todos embora.



Mente quem disser que nunca teve/conhece um primo, irmão ou amigo com problemas ligados as drogas ilícitas. A questão é que as ilícitas já estão liberadas nas nossas ruas, não oficialmente, mas estão e sempre estiveram.  Não é algo novo, a diferença é que agora estão mais evidentes, assim como a violência que as acompanham. Ingênuos são aqueles que acreditam que elas não estão livres. O que elas não estão é legalizadas.  Há uma gigantesca diferença entre legalizar e liberar. Não estamos falando em “liberar geral”.



Em 30 /07/2015 o então secretário de Segurança do estado do Rio de Janeiro, José Mariano Beltrame, deu uma entrevista para a revista Trip, e um dos tópicos abordados foi a questão  das drogas no estado (se você não leu o artigo é só clicar aqui ). Para ele o atual modelo de combate não está funcionando. Segundo o ex-secretário Beltrame, o Brasil deveria seguir o exemplo de Portugal, que atualmente é modelo mundial em prevenção à droga, após aprovar, em 2000, a lei que descriminaliza a posse e o consumo de droga. Em Portugal o problema passou a ser do Ministério da Saúde. Houve toda uma reestruturação no país. Clinicas de reabilitação foram abertas e somente por último ocorreu a descriminalização.



A legalização permite o controle desde a produção até a venda, assim como a taxação que se reverte em benefícios para a sociedade. Como já ocorre hoje com as drogas licitas que são vendidas nas farmácias com fins medicinais e as que são vendidas com fins recreativos em bares e supermercados para maiores de 18 anos, como o álcool e o tabaco e o seu estudo. 



Ela não aumenta o consumo das drogas. O que aumenta o consumo é acreditar que um sistema ultrapassado e quebrado possa funcionar. Se a proibição funcionasse as ilícitas não estariam cada vez mais potentes, baratas e acessíveis. A pergunta no título deveria ser: quem está ganhando com a não legalização das drogas?



Se não há controle de produção ou qualidade, aumentando os dependentes e impedindo campanhas institucionais, como ocorre com o cigarro e o álcool, quem lucra com a não legalização das drogas como a maconha e a cocaína, por exemplo? A indústria do vício como as clinicas privadas de reabilitação. Os contrabandistas de armas, pois eles vendem o seu arsenal para os traficantes. Os próprios traficantes. Assim como, agentes públicos que se beneficiam de um sistema falho e corrupto, entre outros.





Márcia Moreira Neves – Jornalista e escritora - https://sites.google.com/site/marcianeves/

domingo, 30 de outubro de 2016

Quem disse que saia é coisa de mulher?


Quem disse que saia é coisa de mulher?

Márcia Neves

Niterói - 30/10/2016



Me conta, em que planeta? É por implicância ou ignorância mesmo? Nunca ouviu falar em Sarongue, ou sarung? Sabe, aquela saia muito usada pelos homens na maior parte do Sul da Ásia, Sudeste Asiático, Península Arábica, África e em muitas ilhas do Pacífico. Ou o Dhote, um outro tipo de saia usada por vários homens na Índia, Paquistão, Bangladesh e Nepal. E não vou nem falar das túnicas, sabe aquele vestido largo... Ah, as túnicas, as belas túnicas de algodão egípcias masculinas, bom... A lista não vai parar se eu começar a divagar por aqui.



 “Tá, mas Márcia, essas coisas não se usam aqui”, diz o cidadão, com falsa polidez e o dedo levantado.



Eu, de forma nada refinada, respondo que temos a nossa querida saia escocesa, não é mesmo? Que não podemos nos esquecer do kilt, a saia masculina escocesa, que acreditasse seja de origem irlandesa.



Mas aí, novamente aquele cidadão que manda bem... Mal diz: “Não, o homem sempre usou calça e a mulher saia, isso não está certo, é impor o errado!”



O que fazemos?



Mandamos o cidadão buscar nos livros de história até a Grécia Antiga, berço da civilização ocidental, pois o que encontraremos nos livros? Registros! Sim, registros de homens vestidos com túnicas e saias da Antiguidade até a Revolução Francesa, no final do século XVIII. Sim, é verdade, está tudo lá. Basta o cidadão se dar ao trabalho de procura e ler.



Nesse exato momento você leitor deve estar perplexo: “Como assim, Márcia, aquele cidadão não ganha um resumo? Um diagrama? Nem uma figurinha para completar os pontos ao menos? Você não está sendo egoísta?”



Tô, e daí? Se a gente fala/escreve é arrogante, presunçosa, então vai pesquisar! Mas se não divide é egoísta? Não justifica, correto?  Vou dividir, sim... Mas o cidadão que ligue os pontinhos, eu não vou ficar segurando a caneta, isso eu me recuso! Bom, então lá vai o resumo do resumo, e que só não posso chamar de sinopse porque não tem avant-première.



Ao contrário da saia, a calça é que pode ser considerada recente no vestuário masculino ocidental. Os indícios das primeiras calças são do século VI a.C. e pertenciam ao vestuário persa. Peritos em cavalaria, homens e mulheres a usavam e eram considerados ridículos pelos europeus ocidentais. A calça só é inicialmente adotada no Império Bizantino durante a Antiguidade Tardia e Idade Média devido a sua praticidade.



Na França, em particular, a transição final do uso da saia pelos homens para a calça é marcada no final do Século XVIII, um pouco antes da Revolução Francesa, e inicio XIX. Esse período é subdivido em outros três períodos: Diretório, 1789 a 1799, Império, 1800 a 1815, Regência, 1815 a 1825. A influência vem da Inglaterra, com a busca pela simplicidade e o abandono as roupas da corte, sendo a referência as roupas rurais inglesas. Sendo que no primeiro período ocorre a adoção das calças dos marinheiros e do proletariado.



 O retorno da saia masculina é uma questão de convenção social, basta que um grupo expressivo passe a usá-la que será reintegrada ao guarda roupa masculino ocidental. O estilista francês Jean-Paul Gaultier, defensor das saias masculinas, chegou a patrocinar a exposição “Men in Skirts” (Homens de Saias), cuja estreia foi em Paris no Victoria and Albert Museum, 2002, seguindo para Nova Iorque no Metropolitan Museum of Art,  homens vestindo saias como “o futuro da moda masculina”. Pois é, e viva a liberdade do ventinho entre as pernas, VIVA, VIVA, VIVA!!!



Dedicado a cada cidadão que disse que saia é coisa de mulher.



Márcia Moreira Neves – Jornalista e escritora - https://sites.google.com/site/marcianeves/

terça-feira, 26 de abril de 2016

Lançamento do Livro: Trabalho invisível, profissão "Do Lar"

18 de maio, quarta-feira, às 19h, Livraria Prefácio, em Botafogo - RJ.

terça-feira, 12 de abril de 2016

Trabalho Invisível, profissão "Do Lar"

Trabalho invisível, profissão do lar
Trata da cultura de desvalorização do serviço doméstico, da inferiorização da dona de casa, ou melhor, do indivíduo que pratica o serviço doméstico, independente de cor, credo, condição financeira, gênero ou identidade sexual.
102 páginas
ISBN 978-85-7650-513-6
1° edição, 2016.
Editora E-Papers

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