segunda-feira, 31 de outubro de 2016
Legalizar não é o mesmo que liberar geral, certo?
Legalizar não é o mesmo que liberar geral,
certo?
Márcia Neves
Niterói - 31/10/2016
Passada a ressaca do segundo turno para prefeito da cidade do Rio de
Janeiro, estou aqui recordando um encontro que tivemos, após o primeiro turno, com
alguns amigos. Em algum momento conversamos sobre a legalização das drogas, se
é que podemos dizer que houve uma troca ideias. Por que ainda é tão difícil
falar sobre o tema?
Zona Norte do Rio, somos os últimos a chegar. Três estão tomando chope,
o quarto foi fumar o seu cigarro fora do estabelecimento, quando retorna pede
outro chope, somos o único casal na mesa a pedir mate. Nada surpreendente. A
conversa segue morna quase choca, até que alguém levanta o tema sobre as
eleições.
Dois dizem que anularam e se justificam.
Os outros dois seguem defendendo os seus candidatos. Exaltam as suas virtudes e
escracham os desafetos, mas tudo na tranquilidade. Até que alguém toca no tema
legalização das drogas: “Mas tem aquele candidato que é a favor de liberar geral
as drogas, eu sou contra.”, fala o amigo fumante segurando o quarto chopinho
gelado. A aniversariante balança a
cabeça vigorosamente concordando com o fumante, depois do terceiro chope, que, até
então, era o seu rival no campo das ideias políticas. Na onda, o primeiro a manifestar o seu voto
nulo diz: “Já reparou que todos os que são a favor da legalização das drogas
são drogados, maconheiros?”, já calibrado pelo quinto chope, que segundo ele é
a derradeira da saideira. Salvo eu e o meu marido, todos concordam com o calibrado.
Não preciso dizer que o tal candidato “maconheiro” a que se referiam, por
coincidência, era o meu candidato.
Olho para o meu marido de soslaio e depois pergunto aos amigos da
tulipa de forma cínica: “ Vocês estão nos chamando de drogados? De maconheiros?”.
“Não, não, eu não disse isso. Vocês são exceções!”, quase aos gritos, fala o amigo
mais que calibrado. “ É que vocês nunca tiveram alguém viciado na família”, mia
a aniversariante... “É que é um problema de segurança...”, diz reticente o “segundo
amigo nulo”, na garantia de quem só tomou dois chopes. “Eu não quero que o Rio
seja uma Nova Amsterdam. Se os caras não dão conta lá, menos ainda aqui.” é categórico
o fumante, ignorando a minha pergunta.
Sem entrar em detalhes, o meu marido olha para a aniversariante e troveja:
“Eu tenho alguém na família”. Silêncio constrangedor e alguém puxa outra
conversa morna, logo depois nos despedimos com abraços e vamos todos embora.
Mente quem disser que nunca teve/conhece um primo, irmão ou amigo com
problemas ligados as drogas ilícitas. A questão é que as ilícitas já estão
liberadas nas nossas ruas, não oficialmente, mas estão e sempre estiveram. Não é algo novo, a diferença é que agora estão
mais evidentes, assim como a violência que as acompanham. Ingênuos são aqueles
que acreditam que elas não estão livres. O que elas não estão é legalizadas. Há uma gigantesca diferença entre legalizar e
liberar. Não estamos falando em “liberar geral”.
Em 30 /07/2015 o então secretário de Segurança do estado do Rio de
Janeiro, José Mariano Beltrame, deu uma entrevista para a revista Trip, e um
dos tópicos abordados foi a questão das
drogas no estado (se você não leu o artigo é só clicar aqui
). Para ele o atual modelo de combate não está funcionando. Segundo o
ex-secretário Beltrame, o Brasil deveria seguir o exemplo de Portugal, que
atualmente é modelo mundial em prevenção à droga, após aprovar, em 2000, a lei
que descriminaliza a posse e o consumo de droga. Em Portugal o problema passou
a ser do Ministério da Saúde. Houve toda uma reestruturação no país. Clinicas
de reabilitação foram abertas e somente por último ocorreu a descriminalização.
A legalização permite o controle desde a produção até a venda, assim
como a taxação que se reverte em benefícios para a sociedade. Como já ocorre
hoje com as drogas licitas que são vendidas nas farmácias com fins medicinais e
as que são vendidas com fins recreativos em bares e supermercados para maiores
de 18 anos, como o álcool e o tabaco e o seu estudo.
Ela não aumenta o consumo das drogas. O que aumenta o consumo é
acreditar que um sistema ultrapassado e quebrado possa funcionar. Se a
proibição funcionasse as ilícitas não estariam cada vez mais potentes, baratas
e acessíveis. A pergunta no título deveria ser: quem está ganhando com a não
legalização das drogas?
Se não há controle de produção ou qualidade, aumentando os dependentes
e impedindo campanhas institucionais, como ocorre com o cigarro e o álcool, quem
lucra com a não legalização das drogas como a maconha e a cocaína, por exemplo?
A indústria do vício como as clinicas privadas de reabilitação. Os
contrabandistas de armas, pois eles vendem o seu arsenal para os traficantes. Os
próprios traficantes. Assim como, agentes públicos que se beneficiam de um
sistema falho e corrupto, entre outros.
Márcia Moreira Neves – Jornalista e escritora - https://sites.google.com/site/marcianeves/
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